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O que significa a desistência de Doria?

por Vitor Vasquez e Henrique Curi

Postado em 25/10/2022

Categoria: Coluna Valor


Texto originalmente publicado pelo jornal Valor Econômico em 05/06/2022

Em 23 de maio, João Doria, ex-governador de São Paulo pelo PSDB, abdicou de sua pré-candidatura à Presidência da República. Selecionado nas prévias do partido, Doria justificou sua decisão afirmando não ser a escolha predileta da cúpula pessedebista. Atrelados à desistência encontram-se o seu mau desempenho em pesquisas eleitorais, o pouco apelo que possui fora de São Paulo, a sua alta rejeição e as desavenças com outras elites tucanas. O cenário que se desenha para o PSDB é uma aliança com o MDB, firmando uma chapa encabeçada pela senadora Simone Tebet (MDB-MS) e oferecendo o candidato a vice-presidente, o ex-governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, principal rival de Doria nas prévias do partido.

Se isto ocorrer, será a primeira vez que o PSDB não apresentará um candidato para a Presidência, consolidando a falta de protagonismo do partido nas eleições nacionais. Seria a confirmação factual do que ocorrera simbolicamente em 2018, quando seu então candidato, Geraldo Alckmin, conquistou apenas 4,76% dos votos no primeiro turno. O evento terá pouco impacto sobre o resultado da eleição que se avizinha, pelo menos considerando pesquisas recentes que indicam de 3 a 5% de intenção de voto para Doria. Porém, de forma mais ampla, a ausência de uma candidatura tucana na disputa presidencial ratifica que uma parte significativa do eleitorado brasileiro segue aberta a uma sigla que a represente.

Fundado em 1988, o PSDB lançou candidatos para presidente desde 1989 e, entre 1994 e 2014, foi no mínimo o segundo colocado na disputa para presidente, sendo o vencedor de duas eleições. A ascensão foi meteórica. Já em 1994, elegeu Fernando Henrique Cardoso presidente. Contudo, tal histórico não foi suficiente para que a sigla fidelizasse eleitores em longo prazo, o que se confirma com pesquisas de preferência partidária realizadas pelo Datafolha a menos de um ano das eleições presidenciais.

Enquanto seu principal adversário, o PT, apresenta identificação partidária média de 18,1% nestas pesquisas, a média do PSDB é de 3,9%. Considerando a última pesquisa realizada em dezembro de 2021, 27,6% dos respondentes preferiram o PT dentre todos os partidos, e apenas 1,9% preferiram o PSDB. Como a maioria dos entrevistados declarou não se identificar com nenhum partido em todas as pesquisas, chama atenção que o PSDB não tenha sido capaz de rivalizar com o PT nesses termos.

Fonte: pesquisas realizadas pelo Datafolha em conjunto com intenções de voto para presidente extraídas do Banco de Dados do Centro de Estudos de Opinião Pública (CESOP) da Unicamp.

Aspectos organizativos e ideológicos ajudam a explicar tal incapacidade. O PSDB é internamente dividido, como demonstram as últimas prévias e a falta de apoio da sua elite a Doria. Isto dificulta um planejamento político nacional. Além disso, falta ao partido uma identidade. Parte de seus quadros se posiciona cada vez mais à direita, inclusive flertando com o bolsonarismo. Na Câmara, parcela significativa de seus deputados apoiou pautas mais conservadoras, como o projeto de “homeschooling”, o PL da Grilagem e a PEC dos Precatórios. Houve adesão de 53,8% de sua bancada à PEC do voto impresso, mesmo com orientação contrária do líder. 

Nas últimas eleições estaduais, Doria e Eduardo Leite declararam apoio a Bolsonaro no segundo turno e, agora em 2022, Eduardo Riedel, pré-candidato ao governo do Mato Grosso do Sul, Estado que encerra a lista de onde o PSDB elegeu governador em 2018, é aliado político do atual presidente.

Nesse cenário, a desistência de Doria significa que, atualmente, uma parcela dos eleitores brasileiros, particularmente aquela posicionada à centro-direita, segue sem referência partidária nacional, permanecendo disposta a preferências circunstanciais.

 

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