por Glauco Peres da Silva e Graziele Silotto
Postado em 25/10/2022
Categoria: Coluna Valor
Texto originalmente publicado pelo jornal Valor Econômico em 18/06/2022
O debate sobre reforma política no Brasil está em pauta há bastante tempo. Desde a promulgação da Constituição de 1988, o debate político nacional é permeado pela ideia da urgência desta mudança. Porém, "reforma política" tem significados variados a depender de quem diz e do momento em que é mencionada. Em comum nos discursos, está a crença de que “problemas importantes” seriam resolvidos se um modelo particular de organização política fosse adotado, em especial em relação às regras eleitorais. A multiplicidade de argumentos fez com que a reforma política se tornasse sinônimo de reforma eleitoral.
Ao longo dos anos 90, o tema se justificava pelas inseguranças em relação ao modelo institucional adotado em 88. O alvo era a baixa coesão partidária no Congresso causada pelo sistema proporcional de lista aberta, que atrapalharia a atuação dos partidos. A partir dos anos 2000, o foco seria a relação com os patrocinadores das campanhas, causadores da corrupção. Os políticos estabeleceriam acordos ilícitos com seus financiadores e, novamente, para que isso fosse resolvido, a regra eleitoral precisaria mudar. Sem mencionar a natureza da representação, cujos problemas se originariam nas regras eleitorais, que também permeou os discursos em todo este tempo.
Por nunca ter saído da pauta, a reforma eleitoral passou a ser incorporada no discurso dos próprios políticos. O discurso de mudança se ampliou, atingindo novos temas. Exemplos: a imoralidade, o mau uso de recursos públicos, o mau desempenho político, a eleição de corruptos, ou seja, problemas diferentes cuja solução estaria na reforma eleitoral. Por significar muitas coisas distintas, pois visaria inúmeros problemas, as propostas aventadas não produziram consenso mínimo sobre o que se deseja ou desejaria resolver de fato.
A falta de entendimento sobre o cenário desejado e de consenso sobre os caminhos para que ele se cumpra criam oportunidades para que qualquer alteração seja feita. Para identificar este processo, compilamos modificações na legislação eleitoral desde 1988. No gráfico abaixo elas estão apresentadas por tipo de mudança observada no Código Eleitoral, na Lei das Eleições (lei 9.504/1997) e na Lei dos Partidos (lei 9.096/1995):
Observando o gráfico, é possível ver que desde 1988, há alterações na legislação em quase todos os anos. Não se passam 3 anos consecutivos sem que haja alguma variação em alguma dimensão das eleições brasileiras, seja com uma nova redação ou com uma revogação de dispositivo. Diante desse cenário, ponderamos sobre o que versam estas modificações. A título de exemplo, neste outro gráfico, podemos ver os temas alterados especificamente na Lei das Eleições:
Nota-se que os temas relacionados à arrecadação de recursos, propaganda eleitoral (geral, tv, rádio e até internet) bem como prestação de contas são os que contam com um maior número de transformações em seu texto original (que data de 1997). A arrecadação e uso de recursos nas campanhas, por exemplo, teve mais de 90 alterações nos últimos 15 anos. Esse padrão de elevado número de mudanças persiste para diversas leis que regem as eleições, os partidos políticos e o código eleitoral. Paradoxalmente, a despeito disso, no debate público e especializado persiste a recomendação de uma reforma.
O cenário atual é de que a necessidade de reforma eleitoral se tornou um ativo do discurso político. As soluções prometidas seriam claras, ao contrário dos mecanismos necessários para atingi-las. Afirmar que algo precisa ser feito e apontar vagamente a solução de uma ameaça é uma das táticas mais simples de convencimento de eleitores. Importa menos o resultado e mais alimentar a expectativa do fim do mal que nos assolaria. Neste contexto, mudanças são feitas continuamente. Por vezes, o efeito de uma alteração nem pode ser completamente percebido, dado que tão logo uma mudança é feita, outra surge, como no caso da verticalização de coligações ou da cláusula de barreira. E enquanto não houver a formação de um consenso mínimo a respeito do que se espera e daquilo que é possível obter com mudanças na legislação, a reforma no Brasil não cessará.
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